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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Vila Rica e Violões que choram entrelaçados

Odete Soares Rangel

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Vila Rica - Olavo Bilac  (Parnasianismo) 

O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que a ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um brasão.

O ângelus plange ao longe em doloroso dobre.
O último ouro do sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma extrema unção.

Agora, para além do cerro, o céu parece
Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu...
A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,

Como uma procissão espectral que se move…
Dobra o sino… Soluça um verso de Dirceu…
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.





A Vila Rica do século XVIII, era a antiga denominação da cidade de Ouro Preto, cujo desenvolvimento deveu-se à mineração, principalmente em torno das igrejas e confrarias. A corrida pelo ouro provocou um aumento populacional, inclusive com a afluência de artistas e artesãos europeus contratados para construir monumentos, especialmente igrejas, que marcavam  o súbito enriquecimento.

Na 1° estrofe do soneto, significa que o ouro encontrado era fruto do acaso, pois muitos o procuravam e não tinham a sorte de encontrá-lo. Nesse passado distante o ouro foi tão abundante, que foi amplamente utilizado, inclusive, para adorno de casas e igrejas, cuja ornamentação relembra o fausto religioso da opulenta Vila Rica.

O poeta faz uma analogia com o corpo, pois este é que sangra, vê a terra também ferida pela extração do ouro. A ambição das pessoas pelo ouro era desmedida, não se preocupavam com as consequências ao extraí-lo, sendo, provavelmente, a causadora da decadência da cidade.

A extração do ouro deixou marcas na terra, como por exemplo, a erosão, a contaminação com o mercúrio que ficaram como cicatrizes. Por outro lado, cicatriz também pode ser identificada com a perda das riquezas, do poder de dominação, que empobreceram a cidade, mas não destruíram sua essência, seu glamour. A cidade aconteceu, seu tempo de brilho não se apaga, ficou na história e na memória das pessoas. O passado deve ficar emoldurado para sempre.

A 2° estrofe denota o choro do povo mais simples (da periferia) que se torna mais doloroso ao entardecer em virtude do término da extração do ouro, quando a cidade entra em declínio, possivelmente porque seria nesse horário que os trabalhadores voltavam das minas, o que não mais acontece.

Com o dia se vai a glória do ouro, o passado; e com a noite que chega, a cidade se sente pobre, porém gloriosa por não ter perdido sua essência. Esse dia e noite podem estar relacionados com o fato de “Vila Rica” transformar-se em “Ouro Preto” do dia para a noite ou vice-versa.

O poeta traça um paralelo do ouro com o sol; do declínio da cidade com o crepúsculo, a cidade vivia da extração do ouro, sem ele as pessoas não teriam como sobreviver. 

Se percebe a sonoridade do poema no badalar do sino sugerido pelos sons nasais e pelo “g” na 2° estrofe, no 1° verso. A luz do sol e do ouro das minas, do negro da noite do passado e do próprio nome da cidade deixam implícita a ideia cromática do ouro. 

A 3° estrofe sugere um céu enegrecido, como um ouro que envelheceu e o tempo retirou-lhe o brilho. O ouro, a riqueza se foi, mas “Vila Rica” fica na história.


Há um contraste entre as ideias de:

Dia X noite 
Riqueza X pobreza
Passado glorioso X presente humilde
Ouro preto X ouro dos astros

Violões que Choram  - Cruz e Souza (Simbolismo) 

"Ah! plangentes violões dormente, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo,
Noites de solidão, noites remotas
que nos azuis da Fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações à luz da lua,
Anseio dos momentos mais saudosos
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.

Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.

Harmonias que pungem, que laceram,
Dedos nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um mundo de dolências geram
Gemidos, prantos, que no espaço morrem...

E sons soturnos, suspiradas mágoas,
Mágoas amargas e melancolias,
No sussurro monótono das águas,
Noturnamente, entre ramagens frias.

Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.

Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas do sonho,
Almas que se abismaram no mistério.

[...]"

A forma encontrada pelos simbolistas de suspender a dor era a música. Daí sua tentativa de produzir textos tão melodiosos e ritmados, devendo-se atentar para a musicalidade das palavras e construções, nos poemas.

Embora, inicialmente, Cruz e Souza estivesse preso a um subjetivismo expressando a sua dor e sofrimento de homem negro, sua obra evoluiu para posições universalizantes ao sintonizar-se com a dor e a angústia do ser humano que atinge todos os seres. Muitos autores consideram-no um perfeccionista da forma. Ele foi um simbolista que explorou o poder dos símbolos, a força das analogias, as sugestões consideráveis que pudessem conduzi-lo além.

Violões que choram é um dos poemas mais bem elaborados desse autor. Interessante é a forma como ele nos conduz a outros elementos através dos violões. Atuando numa esfera de sentimentos abstratos e sensações contínuas, ele compõe um universo de imagens poéticas em sequência, que parecem acompanhar o ritmo de violão que toca.

Ele tinha o poder de dizer a palavra "violão", de tal maneira que levava o indivíduo a pensar só no objeto, situando-se no âmbito da prosa. Quando se pronuncia a palavra de forma que venha a suscitar imagens, cintilando evocações, associando estados de alma, ela ultrapassa a objetividade da expressão em prosa e alcança o clima poético, cuja transfiguração vemos nas estrofes a seguir do poema “Violões que choram”.

“Ah! Plangentes violões dormentes, mornos, (música/alegria, objeto sem brilho, tristonho)
soluços ao luar, choros ao vento... (sofrimento/choro)
Tristes perfis, os mais vagos contornos, (tristeza/sofrimento)
bocas murmurejantes de lamento, (sofrimento/queixas)

Noites de além, remotas, que eu recordo. (intermináveis)
Noites de solidão, noites remotas (isolamento)
que nos azuis da Fantasia bordo, 
vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações à luz da lua,
anseio dos momentos mais saudosos, (saudades/ansiedade)
quando lá choram na deserta rua (notas musicais/sofrimento/isolamento)
as cordas dos violões chorosos”. (música/alegria/tristeza)

As palavras acima sublinhadas possuem conotações associativas com as palavras citadas entre parênteses. O autor propõe uma poesia que é ao mesmo tempo afetuosa e triste, um "sol pagão", cantado por "violões que choram”, uma poesia híbrida, indefinida, como ele próprio.

"Que esses violões nevoentos e tristonhos
são ilhas de degredo atroz, funéreo,
para onde vão, fatigadas do sonho,
almas que se abismaram no mistério".

“Demoram e são longas as chorosas evocações dos Violões abismados no mistério das horas, das noites compridas de meditação, inesgotáveis são, como as distâncias, as profundezas e as alturas da metafísica interminável. Porque os temas indefinidos não se esgotam, os Violões do poeta continuam plangendo, sem poder terminar, em versos inúmeros”. (Enciclopédia simpozio, Versão portuguesa da original em Esperanto/Internet).

 “Violões que Choram é um dos poemas de maior musicalidade que a arte poética já produziu. Trata-se de verdadeira sinfonia de fertilíssima imaginação, com variações quase infinitas. Entretanto, da harmoniosa musicalidade de suas aliterações e modulações vocálicas, emerge uma trágica sensualidade, que se denuncia nas "harmonias que pungem, que laceram", nos sons dos violões" que "vão dilacerando e deliciando", no "concerto de lágrimas sonoras", despertando os "anelos sexuais de monjas belas / ciliciadas carnes tentadoras" e "fazendo ressoar "toda a mórbida música plebeia / de requebros de faunos e ondas lascivas". (Enciclopédia simpozio, Versão portuguesa da original em Esperanto/Internet).

As interpretações feitas nos dois parágrafos precedentes fazem juz ao poema composto de 36 estrofes, de quatro versos decassílabos. A intenção não é esgotar o assunto, mas comentar as partes julgadas mais relevantes.

Na  5ª estrofe, as palavras iniciais de todos os versos têm uma correlação entre si, pois a música necessita de harmonia. No caso do violão também pelo uso dos dedos, das cordas e conclui com os gemidos que nada mais são do que o próprio som das notas musicais que se transformam em canção e encantam e sensibilizam os seres mais sonhadores e apaixonados.

O poema possui uma linguagem vaga, fluída, imprecisa. Na 1ª e 2ª estrofes, existem versos com algo vago, indefinido como nas frases “Tristes perfis, os mais vagos contornos”, “noites remotas que nos azuis da Fantasia bordo”.

Na construção do poema, o poeta utilizou os substantivos “soluços, perfis, contornos, solidão, Fantasia, visões”. Também os adjetivos no plural “plangentes, dormentes, mornos, tristes, vagos, murmurejantes, remotas, ignotas”, sugerindo o som do violão na sibilante “S”.

Ocorrem aliterações no poema inteiro, mas a contida no fonema “V” da 7ª estrofe sugerindo os sons dos violões pode ser considerada uma das mais famosas, cuja musicalidade se tornou inigualável. Em “Vozes veladas, veludosas vozes”, dessa mesma estrofe, o trabalho sonoro com as consoantes “v, z, l” passam musicalidade através das palavras.

“Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices vorazes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas...”

O título do poema, mais as 1ª e 5ª estrofes mostram que os sons dos violões sugerem tristeza, lamento, choro segundo as expressões “Soluços ao luar”, “Bocas murmurejantes de lamento” e “Gemidos, prantos”.

O poeta aproxima os campos sensoriais como segue:

Auditivo: “Plangente”, “bocas murmurejantes”.
Tátil: “mornos”.
Visual: “azuis da Fantasia”, “luz da lua”.

Há um exemplo claro de sinestesia em “Veludosas vozes”, 7ª estrofe, onde veludosas se refere ao tato e vozes à audição.

Os simbolistas manifestam estados de dilaceração da alma e uma profunda “dor de existir”. Na última estrofe esses sentimentos estão presentes de forma explícita. Segundo o texto, as almas fadigadas do sonho isolam-se nos sons dos violões tristonhos.

Visão de desagregação: “abismaram no mistério”.
Isolamento: “Ilhas de degredo”.
Dor ou morte: “degredo atroz, funério”.

Ambas as poesias, estão construídas com muitas rimas, cujas sílabas finais se repetem e se assemelham sonoramente. 

As reticências indicam que o poeta deixou implícita e inacabada uma mensagem que o leitor deverá interpretar dando-lhe uma continuidade que possa explicar.

Na última estrofe do poema VIla rica, o poeta evidencia que o povo todo (procissão espectral) está consternado com a perda. As pessoas seriam como fantasmas, andam atônitas cuja morte já lhes fora anunciada. Restou sobre Ouro Preto a chuva não de ouro que existia na velha Vila Rica, mas de água que representa o ouro dos astros.

E, também, há uma analogia desta que ficou empobrecida, com o poema Marília de Dirceu, especialmente de uma lira da segunda parte, na qual um pastor se dirige a Marília narrando como sua vida próspera e respeitosa fora interrompida por um acidente catastrófico e compara a situação anterior de abastança e felicidade com a atual, de privação e angústia, possível causa do soluço.

Ainda no “Soluça” do verso de Dirceu há a repetição do som “S” na última estrofe, lembrando um choro, sugerindo ao mesmo tempo os sofrimentos amorosos de Marília e Dirceu e o dos inconfidentes mineiros. Dentro do estilo simbolista, o destaque de palavras em maiúsculas é bastante frequente e serve para indicar sua elevação à categoria absoluta, como no caso de “Soluça”. 


6 comentários:

Anônimo disse...

eu adorei!!! este site me ajudou bastante!! ate por que falar do simbolismo e muito dificil devido alguns poemas dele ser considerado vago enfim mas estão todos de parabens ficou muito bom!!! não so ficou bom como eu conseguir resolver meu poblema!!!!
um abração!!!

Odete Rangel disse...

Boa tarde!

Fico sempre feliz quando vejo que algo que criei é útil para outras pessoas.

Eu amo literatura, e sempre quando escrevo ponho alma no que vou dizer. Só consigo escrever sobre algo que me apaixona, que faz sentido, assim minhas análises são focadas no que as leituras me passam e no meu sentir.

Obrigada a você por sua visita ao blog e palavras gentis. Isso é um incentivo para continuar escrevendo, buscando cada vez mais a perfeição. Escrever é uma arte e amo fazer isso. É muito bom pegar um texto e viajar nele até encontrar um belo caminho de chegada e saída.

Grande abraço para você também!

Odete

Aurismar Lopes Queiroz disse...

Parabéns, companheira, realmente a literatura é arrebatadora.

Odete Rangel disse...

Obrigada Aurismar pelo elogio e por sua participação no blog. Concordo com você. Eu amo literaturas em geral. Há quem diga que não sabe como consegui me apaixonar pela obra Macunaíma, pois eu me apaixonei mesmo, é uma obra riquíssima.

Abraços a todos e um ótimo dia!

Unknown disse...

olá eu tenho que fazer um trabalho da escola sobre esse poema, algumas coisas eu entendi muito bem , outras não , poderia me ajudar.

Anônimo disse...

não! rsrrss