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sábado, 27 de agosto de 2011

“O sentimento do mundo” de Carlos Drumond de Andrade

Odete Soares Rangel

“O sentimento do mundo”
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer.

esse amanhecer
mais noite que a noite. (escuridão) 
alunosweb.com

Este poema abre a fase social do poeta e dá título ao livro. “Sentimento do Mundo” é um livro que retrata um tempo de guerras, de pessimismo e sobretudo, de dúvidas sobre o poder de destruição do homem. O livro foi publicado em 1940, em tiragem de 150 exemplares, distribuídos entre os amigos. O título do poema é ambíguo, tanto pode significar o sentimento que o mundo tem, quanto o sentimento que o indivíduo tem do mundo.

Nele, está revelada a visão-de-mundo do poeta, na qual está presente a realidade dura e desafiante que sempre nos estarrece, apesar dos nossos sonhos.

Na 1ª estrofe, percebe-se a limitação do poeta para ver o mundo: “Tenho apenas duas mãos”; mas logo a seguir ele apresenta elementos que o auxiliarão a suprir suas deficiências de visão: “escravos/lembranças” e o mistério do amor (Versos 3 à 5). Os escravos podem ser os meios escusos de que os poderosos se utilizam para tocar a vida e dela tirar vantagens.

A marca do pessimismo está nas mortes do céu e do próprio poeta, na estrofe 2. Apesar da ajuda parcial dos companheiros de vida “Camaradas”, o poeta não consegue decifrar os códigos existenciais e humildemente pede perdão.

Nas duas últimas estrofes, têm-se uma visão de futuro bem negativa, embora real: mortos, lembranças, pessoas que sumiram nas batalhas da vida, conforme a citação “guerra”, na estrofe 3.

O eu é menor que o mundo, desabrocha o sentimento do mundo, marcado pela solidão, pela impotência do homem, diante de um mundo frio e mecânico, que o reduz a objeto.

Na última estrofe, composta de dois versos, o poeta sintetiza seu sentimento do mundo. Conclui que o futuro “amanhecer” é negro, tenebroso.

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