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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Morangos Mofados de Caio Fernando Abreu

Odete Soares Rangel


Morangos Mofados é um conto espetacular escrito pelo escritor gaúcho Caio Fernando Abreu (1948-1996).

Morangos mofados é, igualmente, o título do livro homônimo dele publicado em 1982, tendo sido considerado o melhor livro desse ano pela revista Isto É. A obra divide-se em duas partes: O Mofo, nove contos, nos quais está representada a ditadura militar, o processo de desumanização e a repressão à liberdade. E Morangos, oito contos, nestes já surge uma esperança e os personagens encontram uma razão para viverem.

O livro mostra a dualidade do homem, ora decadente, ora soberbo. É uma tentativa infindável na busca de descobrir-se e descobrir o outro. O ponto alto da história é a busca convulsiva de um sentido em um mundo onde esse parece não existir.

O conto Morangos mofados é representativo da literatura contemporânea marcada pela fragmentação, objetiva chocar o leitor e colocar o crítico numa posição delicada. Há uma desconstrução através do vocabulário, da sintaxe e da predileção por termos baixos e desarticula a narrativa. Nesse conto percebe-se a angústia existencial do sujeito contemporâneo, em cuja raiz está o contexto e as questões pessoais, o passar do tempo. Ele está solitário, embora inúmeras pessoas tenham passado pela sua vida.

O narrador do conto é publicitário, o que justifica o uso de muitos ícones da modernidade como publicidade, jornalismo, tv, telefone, música, cinema. São citadas marcas como Fiorucci, Cardin, etc. O jornalismo influencia a linguagem do texto literário que necessita ser mais ágil, econômica e rápida.

O texto fala do momento que vivemos hoje, se aproximando pela linguagem acessível. É uma literatura diferente que choca e se afasta, apesar de mais criativa nem sempre é entendida pelo leitor iletrado. Este precisa se esforçar para compreender a mensagem, quer explícita ou implícita.

O narrador solitário precisa se tranqüilizar para poder viver nesse meio, ao qual pertence, embora continue angustiado.

A música Strawberry Fields dos Beatles fala do morango erótico. Há uma desconstrução do signo que deixou de ser erótico para ser o morango mofado, esse gosto leva ao vômito e evidencia o mal estar do indivíduo contemporâneo. Há vários registros como, por exemplo, a marca da maconha, Beatles, Simones e donas Summers que nos remetem a tempos diversos.

No desfecho, “frescos morangos vermelhos”, indica a presença dos morangos metaforizada pela esperança.

A estrutura do conto está dividida a partir das partes de uma composição musical: Prelúdio – introdução; Allegro – parte mais acelerada da composição; Adágio – parte mais lenta e Andante – entre o allegro e o adágio, é o momento em que a música é executada com precisão.

Existem passagens bastante significativas no conto como em: “Mas se o futuro, doutor, é um inevitável finalmente alguém apertou o botão e o cogumelo metálico...” Pode-se pensar em bomba atômica. Leva o leitor a uma reflexão – será que alguém já apertou o botão? E quando fala com o médico fica a incógnita da existência do amanhã.

Nesta outra “uma câmara cinematográfica colocada aqui na porta desta sala...” sugerindo um enquadramento, um apelo visual, um jogo de cores. O aqui representa o local onde o sujeito faz o seu discurso e se comporta como uma câmara fotográfica que vai seguindo o personagem.

A música “Sagração da Primavera” de Stravinsky coincide com o momento de glória interior, de epifania, de revelação. Esta última revela a esperança. O gosto mofado de morangos cedeu lugar ao desejo de plantar “frescos morangos vermelhos”. Esse pode significar o desejo de sexualidade, já que morango é uma fruta erótica e sua cor quente lembra sangue, fogo, paixão. O sexo nesse conto é desprovido de afeto.

"Frescos morangos vermelhos. Achava que sim. Que sim. Sim”. Vale lembrar que este final do conto nos remete ao romance “A hora da estrela”, de Clarice Lispector, cujas obras Caio costumava ler. Clarice finda o romance quando o narrador, Rodrigo S. M., angustiado e perplexo com a cruel morte de Macabéa, lembra ao leitor: "Não se esquecer que por enquanto é tempo de morangos. Sim”. Em contraposição a morte, é bem provável, que os morangos neste contexto significassem vida.

Penso que Caio nos alerta para o fato de que, os morangos ainda que mofados, continuam sendo morangos. A vida apesar de, muitas vezes, não ser indolor e generosa, continua sendo vida, e vale a pena ser vivida. Apesar das desventuras do autor pela vida, ele não é apenas um autor de linguagem baixa, mas uma pessoa que se superou nas dificuldades e mesmo chocando o leitor, faz com que este reflita sobre suas mensagens, ainda que estejam implícitas.

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