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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A dialética da ordem e desordem na trajetória de Leonardo Filho no romance “Sargento de Milícias”.

Odete Soares Rangel

O enredo da narrativa do romance Memórias de um sargento de milícias gira em torno de Leonardo Filho e suas aventuras picarescas no Rio de Janeiro, no início do séc. XIX. O livro foi publicado em 1854, ao invés de registrar a autoria de Manuel Antônio de Almeida, constava apenas "um brasileiro".  Ao contrário dos romances românticos que retratavam os ambientes da nobreza, esta narrativa utilizou a linguagem das ruas e falou das classes média e baixa.
 
Apesar de ter sido abandonado pelos pais, ser preguiçoso e desordeiro, Leonardo recebeu abrigo do padrinho, desviando-se, portanto, das adversidades e brutalidades da vida. Ele é  movido pelo prazer e pela alegria de viver, nada nem ninguém lhe causa temor, o que nos permite aproximar esse romance de Macunaíma, outro herói sem nnenhum carater. Ainda menino, aprontava todas as traquinagens possíveis, ninguém simpatizava com ele. Ele tinha prazer em desobedecer tudo quanto lhe ordenavam.

Vivia ao acaso e suas vivências não resultavam em aprendizagem. Começou a aprender o “ABC” com o padrinho e não evoluiu além do P. Durante os dois anos que freqüentou a escola, aprendeu a ler muito mal e a escrever, pior ainda. Assim, a escola, ordem, para a qual fora encaminhado, não lhe trouxe o aprendizado esperado, mas conduziu-o ao caminho da desordem, pois ele aprontava com os colegas e professores, matava as aulas e por mais castigo que recebesse continuava traquinando.

No topo, hemisfério positivo da ordem, está o Major Vidigal, representação máxima da ordem e, também, os que vivem segundo os padrões. Abaixo, os opostos que situam-se no hemisfério negativo da desordem. Assim, esses hemisférios funcionam como um imã e atraem Leonardo como acontecera a seus pais. Leonardo vai crescendo e oscilando entre a ordem estabelecida e as condutas transgressivas, ele só atinge a ordem após absorver as experiências da desordem.

O padrinho e a madrinha tentaram encaminhá-lo à ordem. Colocarm-o em contatos com D. Maria, senhora distinta, que por sua vez se liga ao intrigante e interesseiro J. Manuel acolvitado pelo mestre de rezas que se liga a Luisinha, herdeira abastada e futura mulher de Leonardo após enviuvar de J. Manuel. Todas essas pessoas têm posição definida, apesar de enquadrarem-se em níveis distintos, estão do lado positivo, numa posição respeitada, inclusive, pela polícia que não os molesta.

Leonardo, desde menino, gostava de Luisinha, embora no começo a achasse feia. Porém, são afastados, ela casa-se com J. Manuel. Incapaz de sofrer, ele entrega-se aos amores de Vidinha por quem se dizia apaixonado.

Nosso herói se divide entre Luisinha e Vidinha. A primeira representa a ordem  (convenções sociais), a segunda; a desordem, além de descatar as convenções tem sua vida  regida pelo instinto e pelo prazer.
Quando o destino o reaproximou de Luisinha, ele retomou o namoro que o conduziria ao casamento, porém pouco entusiástico com a novidade. Vendo os fatos à luz dos costumes da sociedade da época, Leonardo teria em Luisinha a esposa fiel e caseira; desceria alegremente do hemisfério da ordem, refaria a descida pelos círculos da desordem onde “alguma” Vidinha lhe proporcionasse prazer, cujo par se desfaria em favor de novos arranjos, segundo os costumes da família tradicional da época.


No plano da ordem e da desordem, pessoas desempenham papéis com aplicação ora do bem, ora do mal. Assim, as ações reprováveis são compensadas pelas louváveis, por serem realizadas em busca de um bem maior, cuja transgressão é justificada e aceitável.

O padrinho morre e Leonardo sofreu um grande choque. Seu pai levou-o de volta para casa. Ele, porém, mostrou-se contrariado, pois ainda lembrava do ponta-pé que recebera desse, tempos atrás. Mais tarde é expulso de casa por desavenças com Chiquinha, sua madrasta.

Muito aventureiro Leonardo se envolveu em casos rumorosos. Fora trabalhar na Casa Real, de onde no dia seguinte, acaba despedido por provocar uma confusão com um casal que lá morava. Entre outras de suas desordens, estão o plano de fuga de Teotônio e o fado de Vidigal, sendo que este último episódio causou-lhe remorsos, pois até aquele dia havia cumprido rigorosamente sua missão como soldado.

Preso pelo Major vai ser pracinha. Pouco depois, é novamente preso e só foi liberado pela  intervenção da sua madrinha junto a Vidigal. Adolescente fora viver com Vidinha e graças à sua malandragem, foi preso e engajado como soldado de milícias.


Seu chefe era o temível Vidigal e Leonardo foi preso mais uma vez. Para sua soltura, foram significativas as mediações dessa ordem e desordem feitas pela modesta comadre que recorreu a próspera D. Maria. Esta buscou ajuda com uma senhora de costumes, ex-amante de Vidigal e intercedeu junto a este para que soltassem Leonardo. Ele foi solto e , ainda, recebeu uma promoção.


Infelizmente, sargento de linha não podia casar. Ele e Luisinha repudiavam uma união ilegítima. Podia ele continuar soldado e casar, bastava dar baixa na tropa de linha, e transferir-se no mesmo posto para as milícias, o que Luisinha empenhou-se em conseguir.

Vidigal autoriza a referida baixa e o nomeia sargento de milícias. Simultaneamente, Leonardo casou-se com Luisinha e recebeu cinco heranças que vieram solidificar sua posição no hemisfério positivo.

Entretanto, essa posição firme poderá sucumbir frente ao mundo agradável da desordem, tal como aconteceu com o Major Vidigal na sua soltura e promoção, resultado de uma troca de favores, na qual teve de volta sua ex-amante Maria Regalada.
O mundo hierárquico na aparência se revela subvertido onde os escorregões e complacências são aceitas e justificadas. Leonardo sobreviveu da malandragem, das relações de favor e das heranças, mas acaba com a ordem restabelecida.

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