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domingo, 20 de junho de 2010

Pai contra a mãe - Machado de Assis

Odete Soares Rangel

O conto Pai contra a mãe, com características realistas, foi publicado em 1906 na obra Relíquias de Casa Velha.

A narrativa tem como ambiente o Rio de Janeiro do século XIX, período que precede a abolição da escravatura. Narra a história de Cândido Neves, um capturador de escravos que não se adaptava a nenhuma outra função, e estava com dificuldades financeiras. Caçar escravos trouxe-lhe novo encanto e virou profissão, eis que não precisava obrigar-se a nada, apenas usar as habilidades que já possuía.

Cândido desesperançado e desesperado havia saído para levar seu filho à roda dos enjeitados. Desorientado resolveu encurtar o trajeto, quando, então, se deparou com a escrava, objeto de sua salvação.

O conflito dá-se entre Cândido Neves – o caçador de escravos que precisava dinheiro para salvar o seu filho, e Arminda – a escrava fugida de propriedade de um senhor de escravos. Esta acabou abortando seu filho na luta pela fuga. Creio que podemos atribuir a esse fato, a origem do título do conto.

Percebe-se o caráter trágico do conto, assim como, que ele nasceu da maldade dos indivíduos ou da estrutura escravocrata brasileira. Os escravos não eram tratados como seres humanos, eram coisificados. Eles serviam a seus donos que os submetiam a condições desumanas, sujeitando-os a humilhações e mutilações de toda a natureza. Dessa forma, não importava o sofrimento e a dor de Arminda, ainda que implorasse por clemência em nome de seu filho que viria nascer, mas prevaleceu a lei do mais forte, seu dominador.

No momento em que ela aborta, seu dono entra em desespero, mas pode-se depreender que tal atitude se deva a perda de dois escravos: o feto e a possível morte de Arminda, as quais lhe ocasionariam um prejuízo e não por outro motivo qualquer.

O narrador é irônico ao descrever que os escravos eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Obviamente, os que corriam os riscos e enfrentavam o perigo da fuga era porque não gostavam de submeter-se a essa vida desumana. A citação “Além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói” fala do escravo que custava caro para seu dono.

Por significar uma ação de manutenção da ordem, traduzia-se o ato de caçar escravos em nobreza, embora não fosse um ato nobre. A obrigação, porém, de atender e servir a todos desagradava Cândido e feria seu orgulho, o qual ao cabo de cinco ou seis semanas estava na rua por sua vontade. Ele não gostava de submeter-se ao cumprimento das normas que lhe eram impostas.

Na sociedade não era diferente. As normas rígidas eram ditadas e as pessoas submetidas a elas, embora contrárias à sua vontade. “Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração”. Cândido, com essa expressão, tenta aliviar sua consciência pela morte do filho da escrava que ocorreu quando estava sendo capturada, pois a ele a única coisa que importava era salvar a vida do seu próprio filho.

O conto fala da escravidão e da luta pela sobrevivência. Numa sociedade tão injusta e desumana, na qual para sobreviver qualquer atitude é válida, ainda que represente um mal para outrem. Cândido é mais um oprimido, para livrar seu filho do abandono provoca a morte do filho da escrava.

O conto leva o leitor a refletir como a escravidão é maléfica para a sociedade e incita-o a voltar-se contra ela. O autor ironiza quando mostra a escravidão como natural, mas a considera desumana e absurda. Machado era contrário ao patriarcado e favorável ao trabalho livre.

Nesse conto, verifica-se toda uma condição humana de vida, uma escala de valores sobre uma sociedade plana. A moral de Cândido é ditada pela necessidade, a do dono; pelo poder e pela propriedade. Ele queria recuperar a escrava e pagava por isso. Cândido Neves de vítima da sociedade, passa a ser o opressor em relação à Arminda.

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